[...]
Não estou doida, disse a ele.
Você precisa ir pra casa.
Fiquei cansada, eu disse. Não fatigada, mas esgotada. Como uma daquelas esposas que levantam de manhã e dizem que não conseguem assar nem mais um pão.
Você nunca assou um pão, ele escreveu, continuando as piadas.
Então, é como se eu tivesse acordado e assado um pão, falei, e as piadas não paravam. Imaginei se chegaria o dia e que não faríamos mais piadas. Como seria? Qual a sensação?
Quando eu era garota, minha vida era uma música que ficava cada vez mais alta. Tudo me comovia. Um cachorro seguindo um estranho. Isso me fazia sentir tanta coisa. Um calendário mostrando o mês errado. Algo assim podia me fazer chorar. Me fez. O ponto em que a fumaça de uma chaminé se dissipava. Uma garrafa virada, estacionada na borda da mesa.
Passei a vida aprendendo a sentir menos.
Isso é envelhecer? Ou é algo pior?
Não é possível proteger-se da tristeza sem antes proteger-se da felicidade.
Ele escondeu o rosto atrás de seu diário, como se as capas fossem mãos. Ele chorou. [...]
[...] Puxei o livro dele. Estava molhando por lágrimas que escorriam pelas páginas como se o próprio caderno estivesse chorando. Ele escondeu o rosto nas mãos. Deixa eu ver você chorar, falei.
Não quero magoá-la, ele disse, sacudindo a cabeça para os lados.
Fico magoada quando você não quer me magoar, eu disse. Deixa eu ver você chorar.
[...]
Por que você está me deixando?
Ele escreveu Não sei como viver.
Também não sei, mas estou tentando.
Não sei como tentar.
Havia coisas que eu queria lhe contar. Mas eu sabia que elas o magoariam. Então, eu as enterrei e deixei que magoassem a mim. Encostei a mão nele. Tocá-lo foi sempre muito importante pra mim. Era uma coisa que dava sentido à vida. Nunca soube explicar o por quê. Toques pequenos, de nada. Meus dedos no seu ombro. A lateral de nossas coxas encostando quando nos apertávamos juntos no ônibus. Eu não sabia explicar, mas precisava. Às vezes eu imaginava todos os nossos pequenos toques costurados juntos.
[...]
Como algo podia merecer menos ser destruído?
Eu dise a ele Vou me esforçar mais se você ficar.
Tá, ele escreveu.
Só não me abandone, por favor.
Tá.
Não precisamos falar nisso nunca mais.