terça-feira, 23 de outubro de 2007

- "Você pediu um ano... O tempo não consta..."


Minha primeira impressão ao assistir o filme, “O Ano Passado em Marienbad”, foi a de estar diante de um livro de contos do realismo-fantástico, ou de uma leitura repleta de jogos de linguagem, de vários paradoxos e antíteses, onde o leitor só encontra um ponto final, quando não se perde nesse labirinto de letras, ou quando encontra a si mesmo em qualquer parte desse labirinto.

Depois, pensei estar diante de um sonho, que ao acordar, prefiro ficar estática durante alguns segundos até perceber que estou, de fato, acordada. Recordo algumas imagens, e esqueço outras, depois elas voltam e assim elas me acompanham durante todo o dia. Sem saber sua cronologia, implicação, verdade e lógica. E tudo se perde na minha memória. Até que em um doce momento me encontro com essas imagens perdidas numa esquina, então, me espanto, pois já não sei se elas realmente aconteceram ou se habitam o meu mundo devaneador.

“Marienbad” é o limite da lembrança, a dúvida da realidade, a busca da memória, e o labirinto do ser...

Ser enquanto submerso no tempo.
Tempo enquanto medida para realidade.
Ser enquanto habitante do es
paço silencioso de suas próprias sensações.
Espaço enquanto plano exte
rno das íntimas representações.


O filme foi lançado no ano de 1961, França/Itália, e é uma das grandes obras do diretor Alain Resnais, e é um roteiro de Alain Robbe-Grillet. Essa junção que poderíamos simbolizar como o passado e o presente ocupando o mesmo espaço de tempo. Pois, para alguns, Resnais vive um passado que não apenas guarda recordações, mas que as expõe no agora. E Robbe-Grillet o presente composto de incertezas.

E é dessa mistura conflituosa do “que aconteceu” e “o que acontece” que brotam as imagens tecedoras dos sentimentos e das emoções apresentadas no filme.

Assim, “Marienbad” reflete, em certo aspecto, que a temporalidade no cinema vai além dos limites cronológicos e de linearidade; que a temporalidade no cinema brinca com as conjugações verbais e joga xadrez com as verdades; que a temporalidade no cinema derruba as barreiras que separam o passado, o presente e o futuro... Fazendo com que os três tempos oscilem atuando de um plano para outro numa mesma seqüência.

Também, percebe-se em “Marienbad’’ que o cinema vai além da definição simplista: Imagem em movimento.

Considerado o primeiro filme de pura ficção cinematográfica, podemos dizer que a história possui três personagens principais: 1) Em voice-over, um narrador e personagem; 2) Uma elegante mulher; 3) Um homem acompanhante da mulher. E o palco para toda história é um luxuoso e grande hotel.

O Narrador, obcecado pela mulher, fala repetidamente que no ano passado eles estavam juntos nesse mesmo hotel. A mulher não sabe ao certo se teve ou não um caso com ele. Ele, além de tentar convencê-la disso, implora que ela vá embora com ele.

Mas... O que é real em ‘’Marienbad’’? O que realmente aconteceu no ano passado?

Nos primeiros sete minutos você entra numa sessão de hipnose, se permite ser guiado pelo repetitivo texto narrado e começa a observar a curiosa formação de imagens no caminhar de descoberta, lento e curioso, da câmera. Um travelling que te leva a viajar por imagens que ora parecem ter vida e movimento, ora parecem tatuadas no vento ou estáticas como uma fotografia.

Algumas vezes, a câmera parece que esquece os personagens e os objetos, e segue seu calmo caminho “pelos salões e galerias da construção de outro século... Esse hotel imenso, luxuoso, barroco, lúgubre... Onde corredores sem fim se sucedem a outros silenciosos, desertos... Sobrecarregados por adornos escuros, forro de madeira, tetos, painéis emoldurados, mármore, espelhos negros, quadros com tintas pretas, coluna, molduras esculpidas, fileiras de portas, galerias, corredores transversais... Que desembocam por sua vez em salões desertos sobrecarregados por adornos de outro século... Salas silenciosas...”.

Diante da valorização ao ambiente e ao cenário, e da quantidade de elementos presente, o filme parece que se tornou um grande objeto. Desde a paisagem até os personagens. Em vários momentos, as pessoas aparecem imóveis como um objeto qualquer figurativo ou como peças de quebra-cabeças. Às vezes, remetem algo fantasmagórico, parecem mortos e mudos, sem nenhum valor que não seja o de permanecer como peças ilustrativas na composição de uma lembrança.

Para não acordar alguém que dorme e sonha... É necessário ter muita cautela, e cuidado, e não fazer muito barulho pela casa. Então, o filme parece permitir apenas uma ação de cada vez... Enquanto algo se movimenta... O outro espera sua vez de se mover. Tudo bem devagar e silenciosamente.

Os diálogos desses personagens-objetos parecem fragmentos de uma carta dilacerada em vários pedaços que nunca se sabe quando chegou ao verdadeiro ponto final. Tudo são apenas partes perdidas e sem uma aparente conexão. Falas incompletas que aparecem em mais de uma situação e de um contexto.

E essa lacunas entre um fragmento e outro são preenchidos pela belíssima, e densa, trilha-sonora, que parece almejar o lugar das palavras, dos personagens e querer ocupar todo espaço fílmico. A música dança e permanece em todos os tempos e espaços.

E o tema permanente é, paradoxalmente, o duelo e a união entre a memória e o esquecimento. Assim, como as palavras que vão e voltam, as recordações acompanham esse ritmo e vivem com a mesma intensidade o passado e o presente, sem saber em qual dos dois tempos elas realmente atuam. Sem saber se elas são projeções ou ilusões.

Afinal, aquilo que não aconteceu na realidade, mas eu criei na minha imaginação como real, até onde pode ser considerado verdadeiro? Como saber se o que eu me lembro faz parte do meu imaginário ou da realidade? E quando eu não consigo ter certeza do que vivi no passado... Como posso saber se o que estou vivendo no presente realmente consta?

No final das contas, o filme diz: “Tudo é uma imaginação em demasia... Da qual não podemos fugir”.

A dificuldade e tensão não é esquecer o passado. E sim, trazê-lo para vida.

O que intriga é a construção e desconstrução do tempo, das lembranças, da experiência. É estar no limiar entre a ilusão e a verdade. “A existência e a inexistência do encontro ao mesmo tempo”.

Mas... O que é real em "Marienbad"? O que realmente aconteceu no ano passado?


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{Texto que escrevi sobre o filme "O Ano Passado em Marieband" (L'Année Dernière à Marienbad ) de Alain Resnais}

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segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Mal Findo

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Lamentável tua partida dessa maneira
Tantos meios de ir
E você escolheu o modo mais difícil


Fulgidio tão imperfeito
Que não me deixa parar
De almejar a sua volta...

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{Ouvindo: Elliott Smith - I Better Be Quiet Now}
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