quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Achado Válido

Mesmo sendo o começo do erro
O erro no começo
Começo com erro
Era para ser mais e mais

Mais e mais ser
Para errar devagar
Vadiar
Fugir


Não sei da volta
Tenho medo que seja torta
Tortura
Da pergunta

Destino cruel
Estranhamente, eu
Estranhamente, ele
Entranhamente, terceira pessoa do...
Suprendentemente, pronome...


Espantar-se com atos
Falhos
Desejar o desmantelo
Afeto

Proibem o fascínio
Discreto

Charme azul
Despertou
Confudiu e complicou

Enfeitiçou


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{Ouvindo: Pentangle - Faro Annie}

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terça-feira, 18 de setembro de 2007

Assim como...

XVII

"Não te amo como se fosses a rosa de sal, topázio
Ou flechas de cravos que propagam o fogo:
Te amo como se amam certas coisas obscuras,
Secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva
Dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
E graças a teu amor vive escuro em meu corpo
O apertado aroma que ascendeu da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
Te amo assim diretamente sem problemas nem orgulho:
Assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

Senão assim deste modo que não sou nem és,
Tão perto que tua mão sobre o meu peito é minha,
Tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho."

(Pablo Neruda - Cem Sonetos de Amor)

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{Ouvindo: Billie Holiday - For Heavens Sake}
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segunda-feira, 10 de setembro de 2007

‘Ele lhe dizia: “Imundo! Nojento!”...’

" II
...
E perguntou-me se estava de luto. Disse-lhe que mamãe tinha morrido. Como se quisesse saber há quanto tempo, respondi:

- Morreu ontem.

Hesitou um pouco, mas não fez nenhum comentário. Tive vontade de dizer-lhe que a culpa não era minha, mas detive-me porque me pareceu já ter dito a mesma coisa ao meu patrão. Isto nada queria dizer. De qualquer modo, a gente sempre se sente um pouco culpado.

(...)

III

...
Ao subir, esbarrei na escada com o velho Salamano, meu vizinho de andar. Estava com o seu cachorro. Há oito anos que são sempre vistos juntos. O cocker-spaniel tem uma doença de pele, acho que é sarna, que lhe faz perder quase todo o pêlo e que o cobre de placas e de crostas marrons. De tanto conviverem juntos os dois, num pequeno quarto, o velho Salamano acabou ficando parecido com o cão. Tem crostas avermelhadas no rosto e o cabelo amarelo e ralo. Quando ao cão, esse assimilou do dono um a espécie de aspecto encurvado, o focinho para a frente e o pescoço esticado. Parecem ser da mesma raça e, no entanto, detestam-se.

(...)

IV

...
Mas, depois de algum tempo, sentia o ardor do sal queimar a boca. Marie chegou perto, então, e colou-se a mim na água. Colocou a boca contra a minha. A língua dela refrescava-me os lábios e rolamos por instantes nas ondas.

Quando nos vestimos na praia, Marie olhava-me com olhos brilhantes. Beijei-a. A partir desse momento, não falamos mais. Apertei-a contra mim e tivemos pressa de encontrar um ônibus, de voltar, de ir para a minha casa e de nos atirarmos na minha cama. Tinha deixado a janela aberta e era bom sentir a noite de verão escorrer por nossos corpos bronzeados.

(...)

V

...
Perguntou-me, depois, se eu não estava interessado em uma mudança de vida. Respondi que nunca se muda de vida; que, em todo caso, todos se equivaliam, e que a minha aqui não me desagradava em absoluto. Mostrou-me descontente, ponderando que eu respondia sempre à margem das questões, que não tinha ambição e que isto era desastroso nos negócios. Voltei então para o meu trabalho. Teria preferido não o aborrecer, mas não via razão alguma para mudar minha vida. Pensando bem, não era infeliz. Quando era estudante, tinha muitas ambições desse gênero. Mas, quando tive de abandonar os estudos, compreendi muito depressa que essas coisas não tinham real importância.

À noite, Marie veio buscar-me e perguntou se eu queria casar-me com ela. Disse que tanto fazia, mas que se ela queria, poderíamos nos casar. Quis, então, saber se eu a amava. Respondi, como aliás já respondera uma vez, que isso nada queria dizer, mas que não a amava.

- Nesse caso, por que casar-se comigo?- perguntou ela.

Expliquei que isso não tinha importância alguma e que, se ela o desejava, nós poderíamos casar. Era ela, aliás, quem o perguntava, e eu me contentava em dizer que sim. Observou, então, que o casamento era uma coisa séria.

- Não - respondi.

Ela se calou durante alguns instantes, olhando-me em silêncio. Depois, falou. Queria simplesmente saber se, partindo de outra mulher com a qual tivesse o mesmo relacionamento, eu teria aceitado a mesma proposta.

- Naturalmente - respondi.

Perguntou então a si própria se me amava, mas eu nada podia saber sobre isso. Depois de outro instante de silêncio, murmurou que eu era uma pessoa estranha, que me amava certamente por isso mesmo, mas que talvez, um dia pelos mesmos motivos eu a decepcionaria.

(...)

VI

...
A luz brilhou no aço e era como se uma longa lâmina fulgurante me atingisse na testa. No mesmo momento, o suor acumulado nas sobrancelhas correu de repente pelas pálpebras, recobrindo-as com um véu morno e espesso. Meus olhos ficaram por trás dessa cortina de lágrimas e de sal. Sentia apenas os címbalos do sol na testa e, de modo difuso, a lâmina brilhante da faca diante de mim. Esta espada incandescente corroia as pestanas e penetrava meus olhos doloridos. Foi então que tudo vacilou. O mar trouxe um sopro espesso e ardente. Pareceu-me que o céu se abria em toda a sua extensão deixando chover fogo. Todo o meu ser se retesou e crispei a mão sobre o revólver. O gatilho cedeu, toquei o vento polido da coronha e foi aí, no barulho ao mesmo tempo seco e ensurdecedor, que tudo começou. Sacudi o suor e o sol. Compreendi que destruíra o equilíbrio do dia, o silêncio excepcional de uma praia onde havia sido feliz.

(...)''

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(Fragmentos da primeira parte do livro “O Estrangeiro”, de Albert Camus)

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{Ouvindo: Moby - Natural Blues}

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